(Dos Laços Afetivos à) Multiparentalidade
Dra. Luciana Imperatore Vianna
A profunda mudança no cenário familiar brasileiro trazida pela Constituição Federal de 1988, bem como de seus princípios norteadores do Direito de Família, isto é, proteção integral, solidariedade familiar, igualdade entre os filhos, melhor interesse da criança e do adolescente, possibilitou o reconhecimento da existência de diversas modalidades de família, além daquele modelo tradicional, instituído pelo casamento.
Dessa forma, a família antes formada apenas por vínculos de consanguinidade ou até mesmo pela adoção, passou a ser formada, também, pela afetividade, cujo valor jurídico atualmente é reconhecido.
Assim, o novo tratamento dado às famílias respaldado na afetividade entre seus membros, fundamentado nos princípios da dignidade humana, igualdade e liberdade, superou o conceito de família patriarcal de cunho materialista.
De acordo com o Código Civil vigente, o parentesco pode ser natural, quer dizer aquele advindo da consanguinidade, ou de outra origem, tais como a adoção, socioafetividade e a multiparentalidade.
Mas o que significa multiparentalidade e quais as implicações de seu reconhecimento no cotidiano?! Antes da resposta a esta pergunta, cumpre esclarecer o que é afeto; nos termos do dicionário Aurélio afeto é “Afeição, amizade, amor, sentimento, paixão”, chamado também de dimensão afetiva pela psicologia, de forma bastante resumida, é um conjunto de percepções subjetivas que envolvem notadamente sentimentos e emoções que ajudam no estabelecimento de vínculos.
E é aí no tipo de vínculo que o instituto da multiparentalidade se revela, uma vez que consiste na possibilidade do registro de filho independente da sua filiação biológica, podendo ser o vínculo afetivo reconhecido e registrado concomitantemente ao vínculo consanguíneo existente, não havendo prevalência de um sobre o outro.
O tema é importante, pois dele decorre efeitos jurídicos, tais como guarda, sustento, e direitos sucessórios do filho afetivo, alcançados com o reconhecimento do afeto existente entre as pessoas daquele núcleo familiar.
Frisa-se que, diante do caráter irrevogável do instituto, somente em casos comprovadamente eivados de vícios de consentimento, como erro e ausência de afetividade é que será possível a discussão sobre desconstituição da declaração do estado de filho.
Outrossim, a configuração da multiparentalidade se traduz no reconhecimento de vários vínculos parentais, advindos da socioafetividade ou das famílias recompostas, em que há o reconhecimento da maternidade/paternidade socioafetiva conjuntamente com a biológica.
Deste modo, na multiparentalidade se reconhece a vontade de efetivar uma relação de afeto cultivada reciprocamente entre pai/mãe e filho, possuindo, então, os mesmos direitos e deveres legais inerentes a paternidade/maternidade biológica, aliados ao carinho, cuidado e zelo, para o exercício do poder familiar, independente da consanguinidade.
(A autora é presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB Rio Claro)