A piada e o tapa
No último dia 27 o mundo acompanhou uma triste e lamentosa ocorrência entre dois renomados artistas na festa do Oscar. Resumidamente, o apresentador fez uma piada com a mulher de um dos artistas que concorria como melhor ator. Segundos após uma contagiante gargalhada dos presentes, o marido se levanta de seu lugar, sobe ao palco em que o apresentador estava e lhe desfere um tapa em seu rosto. Constrangido, o comediante tenta seguir com a apresentação ouvindo a última repreensão do agressor: “tire o nome de minha mulher da m… da sua boca”.
Situações como a ocorrida, embora incomuns na festa do Oscar, não o são em nosso cotidiano. Claro que nem sempre ofensas físicas ou verbais decorrem de piadas, mas elas estão por todo o lugar.
Suponha-se, por hipótese, que o fato narrado tenha ocorrido no Brasil e todos os envolvidos fossem brasileiros. Tais circunstâncias, por si sós, invocariam a incidência das leis e a competência da Poder Judiciário brasileiros. Dadas estas proposições, qual a repercussão jurídica do tapa desferido na esfera da responsabilidade civil do piadista?
Primeiramente, considere-se que a Constituição Federal protege a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assim como as leis infraconstitucionais. Portanto, que o dano moral causado por uma piada, se comprovado, deve ser reparado, não há dúvidas. Entretanto, é necessário que a responsabilização civil seja dosada, proporcional ao agravo praticado, e este árduo doseamento cabe ao Poder Judiciário.
Em nosso sistema jurídico poucas são as situações em que se permite a “autotutela”, que é a conduta da vítima em defender-se por si mesma. Embora pareça justo que o ofendido possa por si mesmo se defender de seu agressor, o ato defensivo pode trazer repercussões negativas e prejudiciais ao seu autor.
Além de em alguns casos a autotutela configurar crime, na maioria das vezes, inebriado pela raiva e pelo ímpeto de vingança, o ato defensivo é desproporcional ao dano sofrido. Não parece desproporcional uma agressão física após ouvir uma piada ofensiva?
Muitos dirão que uma palavra pode machucar mais que um tapa. Certamente que sim. Porém, o “olho por olho, dentre por dente” é uma “roupa que não nos serve mais”. O Poder Judiciário é competente, em última análise, para apreciar qual a sanção a ser aplicada para cada ato violador de direitos, seja no âmbito civil, criminal ou administrativo, e aceitar suas decisões é maduro e civilizatório. Estaríamos dispostos a voltar ao estado de natureza e nos subjugar à lei do mais forte?
Se o ato praticado no exercício da autotutela for desproporcional ao ilícito sofrido, os papeis de vítima e autor de atos ilícitos se misturam, ensejando responsabilização para ambos os lados. Portanto, sentindo-se agredido, procure um advogado, instrua-se sobre seus direitos, tome as medidas legais cabíveis, pois, como disse Rui Barbosa: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação.”
Esp. em D. Tributário pela Damásio
Esp. em D. Processual Civil pela PUC/SP